terça-feira, 25 de maio de 2010

Vento no cabelo (ou "Da empatia antropoligicamente incorreta")


Quatro dedos escorridos e quatro dedos pingados. Foi minha mãe quem pintou os pingados, com uma cor muito vermelha como o sol que se põe sempre e manda deitar e dormir nossos ossos. Cada pingo é um bicho e cada bicho sou eu. O pássaro que voa muito alto no céu, o cavalo que penteia as crinas no vento, o peixe que se refresca no rio e a onça que espreita os matos. E cada traço é o céu, o vento, o rio e os matos.

E tem esse homem sem o vermelho do sol pintado no rosto. Ele disse que existem outros homens, muitos outros, que também não conhecem o urucum. Eu me preocupei, porque não pode ser um povo que não sabe pintar o sol e não sabe deitar gostoso os ossos antes de dormir. Disseram que, faz tempo, eles eram como eu também. Mas esqueceram do beijo fresco do vento nos cabelos, e do gosto que dá beber da água dos rios depois de correr numa mata bem verde abraçando o céu.

E o homem veio com uma caixa preta, que ele chamou de máquina, e disse que ia me desenhar do jeito dele. O povo dele tem um jeito diferente de desenhar, eu acho. Não usa a pele e a tinta, mas a máquina. E ele disse que contava histórias assim, como eu e a gente toda escutamos as histórias do meu povo antes de dormir.

Minha mãe falou que a gente é irmão, o meu povo e o dele. Eu não sei. E não consigo entender como pode um irmão esquecer dos outros. E maltratar os outros. Eu quis ficar triste, e fiquei por um pouquinho, mas o homem da máquina falou que não precisava, que ele vai desenhar para que eles lembrem. No fim, o homem vai embora e eu nunca mais vou saber das máquinas dele. Mas eu espero que eles lembrem.

Mariana Lins

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