O jovem afegão Rustam Ashva conduzia o rebanho de volta para casa num fim de tarde cinza na montanhosa Cabul, capital do Afeganistão. Única fonte de renda da família Ashva, o gado era de grande valia em tempos difíceis de conflitos políticos. O mundo vivia momentos tensos. Após os atentados de 11 de setembro, falava-se muito sobre uma possível invasão norte-americana, isso porque, um dos principais suspeitos dos ataques, Osama Bin Laden, estaria supostamente escondido em terras afegãs.
Invasões não são novidades no Afeganistão. No final da década de setenta, a então União Soviética, numa manobra militar em apoio a um grupo comunista que havia chegado ao poder no país, permaneceu por muito tempo no Afeganistão. Fato que Rustam Ashva conhece muito bem, apesar de ter nascido somente em 1989, ele ouviu diversas vezes o pai contar sobre os momentos difíceis que passou. À época, o conflito ganhou intensidade com a ajuda bélica enviada pelos Estados Unidos, curiosamente, aos mesmos radicais fundamentalistas que hoje eles chamam de terroristas. Realmente, geopolítica é algo bastante complicado de entender.
Para o jovem Ashva, era difícil compreender o motivo que levava as pessoas a usarem armas, mesmo essa prática fosse bastante corriqueira no Afeganistão. Membro de uma família tradicional aos ensinamentos islâmicos, Rustam Ashva nuca aprovou as lutas religiosas tão comuns em sua região. O ódio entre judeus e muçulmanos é muito forte no Oriente Médio e tudo isso era complexo demais para um jovem de apenas 21 anos. Mesmo assim, Ashva sempre acreditou na paz entre as diferentes crenças.
Mas o momento político mundial não era bom, os dias se passaram e o inevitável aconteceu. A suspeita de uma possível intervenção militar norte-americana se tornou realidade. Os conflitos envolvendo Talibãs e soldados dos Estados Unidos e da ONU viraram uma triste rotina na vida das pessoas que moravam em Cabul. Conduzir o gado se tornou uma tarefa perigosa por causa da intensidade do conflito armado na região.
Na vida, às vezes, o acaso é um fator decisivo para as pessoas, seja positivo ou negativo não há como evitá-lo. Foi exatamente o que aconteceu com o jovem Rustam Ashva. Certo dia, quando conduzia o gado de volta para casa, o rapaz acidentalmente pisou em uma mina que estava, estrategicamente, enterrada com a finalidade de explodir algum ianque. Mas, o armamento acabou atingindo o alvo errado. De repente, tudo se apagou para o jovem afegão.
Quando Rustam Ashva abriu os olhos, a primeira coisa que viu foi uma série de uniformes brancos. Alguns minutos depois ele descobriu que se tratava de um hospital. Reconheceu seus pais e irmãos, mas não gostou da expressão triste e assustadora da família. Por um instante ele foi tomado por uma forte angústia, como se algo terrível houvesse acontecido, o que de fato era verdade. De acordo com o laudo médico, ele iria perder a perna direita, membro que foi bastante danificado pela explosão.
O medo tomou conta do jovem afegão. Agora, ele seria obrigado a abandonar todos os seus sonhos por causa de um ferimento ocasionado por algo que ele sempre condenou. As armas.
Hoje, cinco anos depois da tragédia, o jovem ainda caminha pelas regiões montanhosas de Cabul. Conduzir o gado agora é tarefa de seu irmão mais novo, que no último mês completou dezessete. Apesar das dificuldades, Rustam Ashva tem planos para o futuro, quer estudar medicina fora do país. Recentemente, ele se inscreveu em um projeto de intercâmbio promovido pela ONU, um processo de deve demorar um pouco por causa de questões burocráticas.
Mas, algumas coisas não mudaram para o jovem afegão, ele ainda não endente o motivo das armas e dos conflitos. Esse é um pensamento que o acompanha todos os dias que ele caminha pelos rochedos, munido de suas muletas. Hoje, a velocidade de sua caminhada diminuiu, mas ele segue firme o seu caminho, mesmo que sem entender alguns assuntos. Geopolítica, conflitos e armas, definitivamente, as matérias mais complicadas na opinião do jovem afegão.
Nilton Carvalho
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