sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Em forma de lula - Kleber Koch
Adelita era uma baleia solitária. Vivia a nadar em um mar frio, tão gelado quanto o seu coração. Ela não era má, mas a falta de convivência com animais tinha congelado os seus sentimentos. Para Adelita, os dias eram enormes, assim como a procura por alimentos, por carinho, por alguém.
Certa vez, Adelita chegou a fazer amizade com o golfo Gaspar, mas, como as águas esfriaram durante o inverno, ele seguiu rumo ao litoral brasileiro, em busca de mares mais agradáveis. Atualmente, Gaspar é atração em uma praia da Bahia. Alguns dizem que é em Ilhéus, outros dizem que é em Porto Seguro e há quem diga que ele foi parar num aquário.
Por falar em aquário, Adelita já morou em um e divertia crianças, fazendo números para os quais tinha sido adestrada, lá nos Estados Unidos. Dona de uma inteligência expressiva, muitas vezes o seu treinador esquecia que tratava-se apenas de uma baleia e conversava com ela como com um ser humano. Eram dias felizes, já que nem alimento precisava procurar.
Certo dia, Adelita estava nervosa e não queria treinar. Pulou para um lado, pulou para outro e quis dar uma lição no seu treinador. Saltou sobre ele para dar um susto. Pena que o susto foi tão grande, que o pobre coitado morreu esmagado.
Adelita ficou decepcionada. Lamentou ser tão grande e até pensou em fazer uma cirurgia de estômago para ver se emagrecia. Abandonou a ideia quando ficou sabendo que, após a operação, o paciente tem que ficar sem tomar líquido. Impossível para ela.
Desiludida, Adelita foi morar sozinha na Baía de Adélia, na Patagônia argentina. Colocou a mala nas costas e o pé na estrada, ou melhor, no mar.
Certo dia, enquanto brincava só, uma gaivota passou e perguntou o seu nome. Adelita respondeu. A gaivota se apresentou, chamava-se Fernão Capelo Gaivota. Fernão estava conhecendo a Argentina, uma vez que havia virado comunista e queria conhecer a terra de Che Guevara.
Fernão assistiu aquele filme Diário de Motocicleta e se encantara com a história do estudante de medicina argentino. Tanto que tornou-se comunista e veio conhecer a América Latina. Já havia passado pelo Brasil e até pousou na cabeça do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Voou de lá com medo das balas perdidas. Uma quase o acertou.
Fernão e Adelita começaram a conversar. Ele contou a ela sobre suas aventuras, sobre os seus vôos cada vez mais altos, a importância do amor, da compreensão, e o sonho de implantar na América um Estado socialista. Ou até comunista.
Adelita ficou empolgada. Um lugar justo, onde todos fossem iguais. Isso era um sonho a ser perseguido, construído, trabalhado.
Os dois ficaram amigos e seguiram conversando. Todas as tardes.
Certo dia, lá no fundo do mar, após uma conversa com o socialista Fernão, Adelita encontrou uma lâmpada. Era mesmo a do gênio. Adelita não acreditou. A tal história dos três pedidos era real.
Adelita conversou com o gênio, contou o seu passado, as suas conversas com Fernão e o sonho de construir um Estado justo. E assim, o gênio transformou Adelita em homem. Mais que isso, em um presidente da República.
Adelita ficou feliz e começou a trabalhar. Mas o povo não entendia os seus ideais e muitas vezes se rebelava.
Uma vez, Adelita ficou nervosa. Gritou para um lado, gritou para o outro, e não convenceu ninguém. Pensou em dar um susto nas pessoas e instituiu uma ditadura. Desde então, o Estado que ela governa não anda lá muito bem.
Adelita até mudou de nome para ver se melhorava. Hoje chama-se Hugo Chávez, mas ainda não conseguiu ser feliz.
Agora, o seu sonho é voltar para o mar. Desta vez, em forma de lula.
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