terça-feira, 1 de junho de 2010

Diário de um menino do Sul do Sudão



1993: No Sul do Sudão garotos fogem para campos de refugiados para não serem convocados para a Guerra civil entre o governo e os rebeldes, os dois lados alistam jovens ;a força para o combate.


Por Marjorie Maluf

Fome.
Sede.
Meus olhos ardem
Meu corpo está cansado.
Estou tentando me acostumar com os dias escuros e noites de caminhada. A ordem do líder é vigiar.
Não sei quanto tempo mais vai durar essa viagem.
Me disseram que se eu estiver sozinho e o sol nascer, eu devo procurar qualquer buraco, caverna ou fenda para me esconder.
Na partida, a minha mãe chorou lágrimas finas, aquelas que são permitidas nessa seca. Eram tantas que pensei até em bebe delas. Doeu para ela me deixar ir. Dói para mim ainda ter que deixá-la.
Quando meu pai foi para a guerra, morreu. A minha mãe disse que não suportaria que eu morresse também.
Eu perguntei para ela quem tinha razão na tal peleja e ela me respondeu que os dois lados são culpados pela morte.
Foram bonitas suas palavras na despedida.
-Meu filho seus pés vão te levar para a vida, mesmo que seja longe de mim.
Eu sinto falta de casa. Será que eu vou vê-la novamente? A minha irmã ficou sem os irmãos para protegê-la das meninas maiores e garotos abusados.
Se meu pai se foi e meu irmão teve que escapar também, era para eu cuidar delas. O meu irmão tem doze anos, faz um ano que não o vejo, fico pensando se vou encontrá-lo no campo para onde vamos.
A minha mente fica cheia de muitas coisas, com dez anos eu estava correndo na rua , agora tenho onze e estou fugindo para ser um refugiado.
Me explicaram que lá teremos segurança. Eu tenho medo dos homens com armas, receio que me encontrem e me levem para o inferno, é como chamam a guerra, inferno.
Na minha aldeia podiam me pegar e me massacrar em lutas vãs e aqui nem sei se vou sobreviver ao amanhã. Não sei como é que sabemos se estamos morrendo, mas se for assim como me sinto, quero que acabe logo.
Mas quando me lembro dos meus, ando mais um pouco, mais um passo, só mais um pé.
Minha cabeça dói.
Meus olhos continuam ardendo.
Ainda tenho sede.
Estou sempre com fome.

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